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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Hitchcock à Luz da Teoria da Persuasão

"Se explodirmos repentinamente uma bomba numa sala com duas pessoas, a emoção durará dez segundos. Mas anuncie que a bomba irá explodir e o suspense durará até o fim." - Alfred Hitchcock



Na edição de N° 17 da revista Previw, na matéria Prêmio de Consolação, foram listados alguns dos erros históricos da Academia, que em muitas situações deixou de entregar o Oscar a quem realmente merecia. Nesta lista apareceram, Charlie Charplin, Ingmar Bergman, Jean Renoir, Akira Kurosawa, dentre vários outros injustiçados. Algumas destas gafes foram compensadas (ou ao menos tentou-se) com a entrega do Oscar Honorário ou do Prêmio Irving G. Thalberg, criados originalmente para reconhecer feitos inovadores de profissionais do cinema e produtores de visão, respectivamente. Alfred Hitchcock também estava nesta lista, elaborada pela redação da revista, o cineasta chegou a ser indicado ao prêmio da Academia cinco vezes (por Rebecca - a Mulher Inesquecível; Um Barco de Nove Destinos; Quando fala o Coração; Janela Indiscreta e Psicose), mas em nenhuma delas chegou a colocar as mãos na cobiçada estatueta. Em 1968 ele foi agraciado com o Prêmio Irving G. Thalberg, numa clara, porém tardia, tentativa de reparação.

O fato é que a Academia levou muito tempo para reconhecer e respeitar o suspense como gênero cinematográfico, mas é inquestionável a tamanha contribuição de Alfred Hitchcock para o cinema como um todo e não só apenas para o gênero que o consagrou. A alcunha que lhe atribuíram de “pai do suspense” é mais do que justificada. Ninguém, mais que ele, conseguiu explorar este gênero ao limiar de suas possibilidades. Praticamente tudo que é produzido hoje no terror, no horror e no suspense, bebe da fonte próspera do cineasta. Hitchcock é com certeza um dos diretores mais influentes de Hollywoody e sua influência vai muito além do que se imagina

Podemos fazer uma análise do susp
ense Hitchcockiano à luz da Teoria da Persuasão (uma das teorias clássicas da comunicação). Tal teoria pressupõe que a forma, com que um indivíduo decodifica uma determinada mensagem, está vinculada à questões psicológicas ligadas à própria mensagem e à audiência, conjunto de receptores que são atingidos por ela. No que diz respeito à mensagem, o indivíduo a interpretará de acordo com o grau de respeito que deposita no comunicador. E no tocante à audiência, o indivíduo se tornará mais suscetível aos assuntos a que está mais acostumado e tenderá a consumir as informações às quais está de acordo.

 

Hitchcock, contemporâneo aos estudos acerca desta teoria, parece te-la compreendido como nenhum outro cineasta. Alguns de seus maiores clássicos, como Psicose (1960) e Os Pássaros (1963) se baseiam na simples premissa de explorar o teor psicológico da mensagem (fotografia, sonoplastia e roteiro dos filmes) e da audiência (de nós expectadores). Pode-se notar a grande frequência com que o diretor usa a perspectiva do próprio personagem para nos inserir no contexto de uma determinada cena. Este recurso nos ajuda a entender o que o personagem está sentindo e nos traz a identificação ou a empatia com o que está sendo vivido por ele. Quando isto acontece, o que está sendo trabalhado é nosso psicológico, passamos então a sentir o medo, a ansiedade e o susto que o personagem sentiria. Só que não para por ai, depois de nos ser dada a visão limitada do personagem, ganhamos então uma mais ampla, que nos eleva a condição de Voyeur. Sentimos o que o personagem sente, vemos o que ele vê e de repente passamos a ver além. Vemos antes do personagem, com o qual identificamos, o perigo a que ele está exposto e o resultado disso é o suspense, que se cria em torno das angustiantes sequências. A apreensão nos toma de uma tal forma, que o medo funciona mesmo quando temos uma vaga noção do que está por vir e mesmo quando já conhecemos a identidade do assassino, por exemplo.

O filme, como mensagem midiática, também é todo trabalhado neste aspecto psicológico, desde a fotografia, que muda abruptamente nos momentos de tensão, à trilha sonora, que ajuda a criar a atmosfera de perigo iminente. Este fenômeno pode ser observado perfeitamente, naquela que talvez seja a cena mais clássica de todos os filmes de Hitchcock, a que a jovem Marion (Janet Leigh) é esfaqueada no chuveiro, em Psicose. A fotografia em preto e branco foi proposital (há quem diga que foi para que o filme não se tornasse tão sangrento, suposição que descarto), nela podemos reconhecer os mesmo recursos de jogos de luz, usados já na década de 20, em filmes como Nosferatu (1922), que caracterizaram o Expressionismo Alemão como escola cinematográfica. A trilha sonora aterrorizante de Bernard Herrmann, com um som que expressa perfeitamente todo o significado da cena, com violinos que parecem gritar, foi o arremate dado ao conteúdo psicológico da cena. Este perfeccionismo não está presente só nesta sequência, mas em quase todas as obras que consagraram o cineasta.

 

Voltemos aos conceitos acerca da Teoria da Persuasão e sua relação com os filmes de Hitchcock. A questão sobre o respeito que o receptor deposita no emissor da mensagem é resolvida facilmente. Quando o cineasta nos transforma em Voyeurs diante das telas, por mais céticos que sejamos, tendemos a acreditar naquilo que vemos, e este efeito é potencializado por nos sentirmos parte da trama que se desenrola. Filmes como Um Corpo que Cai (1958) e Psicose podem ser divididos em duas fases, a primeira na qual temos a perspectiva do personagem e a segunda na qual o acompanhamos com uma visão ampliada que vai além da dele. Nossa condição de testemunha onipresente dos fatos nos torna mais propensos a dar crédito aos códigos, símbolos e signos a que somos expostos. A primeira fase fase também serve para nos acostumar à realidade na qual a história se passa, atendendo a um dos pressupostos acerca do fator psicológico da audiência.

Acredito que seja dispensável a discussão sobre até que ponto a obra de Hitchcock é “cult” ou então mero produto da indústria cultural, o fato de que seus filmes tenham apelos às sensações, mais que à inteligência, não diminui a sua genialidade, que está na linguagem mais do que no discurso. Godard e Truffaut, maiores expoentes da Novelle Vague, entenderam isso, tiraram seus chapéus para o gordinho de Hollywood e o reconheceram como uma de suas maiores influências.

Este artigo deveria ser apenas a introdução da resenha do clássico Um Corpo que Cai, mas a empolgação ao escrever o transformaram em algo digno de um texto à parte. É apenas um ponto de vista sobre a obra deste gênio que aprendi a admirar e a respeitar. Alguns de seus filmes estão com louvor na minha lista pessoal de “indispensáveis”. Mesmo pra quem, que como eu, sinta pouco ou nenhum atrativo pelos descartáveis filmes do gênero suspense/terror que são produzidos hoje em dia, Hitchcock oferece uma gama de motivos para que apreciemos suas clássicas produções. O efeito psicológico de suas mensagens é apenas um deles!

Como Hitchcock pôde ter sido renegado pelos votantes da academia por cinco vezes é uma das perguntas que permanecerão sem resposta. E esta história continuará se repetindo. A dúvida mais próxima é a que me toma no momento: Quem serão os injustiçados nesta edição do Oscar? Esperemos domingo (27/02) à noite pra ver! Haja Oscars Honorários para reparar os deslizes da Academia!


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