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terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Festim Diabólico

Festim Diabólico (Rope) - 1948. Dirigido por Alfred Hitchcock. Escrito por Hume Cronyn, Arthur Laurents e Ben Hecht, baseado na peça de Patrick Hamilton. Direção de Fotografia de William V. Skall e Joseph A. Valentine.  Música Original de David Buttolph. Produzido por Alfred Hitchcock e Sidney Bernstein. Warner Bros. Pictures e Transatlantic Pictures / USA.


Festim Diabólico (1948) foi o primeiro filme do mestre Alfred Hitchcock fotografado em cores, no entanto não é por este aspecto técnico que ele seria lembrado, mas pela decisão ousada do cineasta de filmar longos planos-sequência e editá-los de forma que os cortes se tornassem quase imperceptíveis. O filme é composto ao todo por 10 tomadas de aproximadamente dez minutos cada uma (esta era a duração máxima de cada rolo de filme na época). Para a grande parcela do público, que não presta tanta atenção em detalhes técnicos dos filmes que assistem, a ousadia do mestre do suspense pode ter passado sem ser notada, o que corrobora a teoria de que ele teria construído o filme de tal forma, não por exibicionismo, mas para experimentar um novo tipo de narrativa e uma nova forma de se explorar uma tensão crescente. A noção de que tudo acontece em tempo real, á qual a percepção de um espectador desatento se limitaria, reforça a verdade implícita na história e torna a espera pelo ápice da trama ainda mais angustiante. 

"Se explodirmos repentinamente uma bomba numa sala com duas pessoas, a emoção durará dez segundos. Mas anuncie que a bomba irá explodir e o suspense durará até o fim." - Esta máxima de Hitchcock norteia todo o desenvolvimento da trama de Festim Diabólico e confere à ela um nível de suspense que poucos filmes de hoje conseguem alcançar. No longa, o foco de toda a tensão está escondido dentro de uma arca, trata-se do corpo de um jovem que fora assassinado por outros dois na primeira sequência do filme. A trama é livremente inspirada em um caso real que aconteceu em Chicago em 1924. Na história verdadeira, Leopold e Loeb, dois jovens de quase 20 anos sequestraram e mataram Bobby, um garoto de 14. No filme os assassinos são Brandon (John Dall) e Phillip (Farley Granger) e a vítima é David (Dick Hogan), um amigo dos dois.


A motivação do crime é uma teoria que defende que apenas seres humanos superiores são capazes de cometer um assassinato a sangue frio, obcecado por esta ideia Brandon convence Phillip a participar do homicídio e para provar que aquele tinha sido o crime perfeito ele decide dar uma festa em seu apartamento e convida Rupert Cadell (James Stewart), professor universitário que também acredita na teoria, os amigos  Phillip (Farley Granger) e Kenneth (Douglas Dick), Janet (Joan Chandler), namorada de David e Kentley (Cedric Hardwicke) e Atwater (Constance Collier), os pais dele. Para aumentar ainda mais a tensão e o perigo, Brandon decide servir o jantar sobre a arca, onde o corpo fora colocado, sua autoconfiança contrasta com o comportamento de Phillip, que mal consegue esconder o medo que sente de ser descoberto. 


Através de diálogos afiados o roteiro adquire um ritmo ininterrupto, que é reforçado pela já citada montagem sem cortes tão aparentes. A insanidade de Brandon e o temor de Phillip vão tomando proporções cada vez maiores, o que aponta para um desfecho trágico. Demonstrando total controle sobre todo o aparato técnico, Hitchcock usa todos os elementos que tem à sua disposição para manter a tensão em um nível sempre crescente, para tal ele se vale da trilha sonora, dos movimentos de câmera (que em diversos momentos nos mostram coisas que os personagens não vêm) e do jogo de luzes, que merece destaque à parte. William V. Skall e Joseph A. Valentine, os dois diretores de fotografia, fazem excelente uso das cores  (tecnologia que era nova para Hitchcock até então), em dados momentos o suspense é pontuado pelos feixes de luz vermelha que invadem o apartamento, vindo de um letreiro que está do outro lado da rua, em outros as sombras, aliadas às cores escuras, funcionam como uma extensão da mente atormentada dos personagens.


A teoria que motiva o crime é descrita apenas de forma superficial na trama, ela seria o MacGuffin (termo criado pelo Hitchcock para designar dado elemento que apenas serve de pretexto para a construção da trama) de Festim Diabólico, no entanto ela tem importância fundamental no desenvolvimento e na interpretação da trama. É em torno dela que são trabalhados aqueles temas que são considerados recorrentes na obra do cineasta e parte importante de sua marca autoral, eles são a culpa, a crise de identidade e os traumas familiares. Phillip personifica os dois primeiros temas, ele se convence de que a teoria é plausível, no entanto depois de cometer o crime ele se arrepende e começa a se culpar e a questionar a existência de algum sentido em seus atos violentos. Em Brandon é trabalhada, ainda que de uma forma sutil, a questão dos traumas familiares, isso fica perceptível nos diálogos que se dão entre ele e os pais de David.


Uma curiosidade da trama é a suposta homossexualidade de Brandon e Phillip, há quem diga que os dois assassinos que inspiraram a trama do filme eram gays e que o roteiro teria se aproveitado deste fato ao dar uma nova roupagem para a história, fazendo-o, porém, de uma forma sutil, quase imperceptível. Aqueles que defendem esta tese usam como argumentos o fato de eles serem dois jovens solteiros morando juntos em um apartamento com apenas um quarto, a peculiaridade do trato de um com outro, o que denotaria uma intimidade excessiva e a presumida falta de virilidade de Phillip, que o tornaria frágil e afeminado; eu no entanto prefiro analisar tal tese apenas como uma probabilidade, uma vez que os argumentos citados são baseados em uma visão demasiadamente preconceituosa.


Um dos maiores trunfos de Festim Diabólico são as atuações de James Stewart e John Dall, isto não comprova e nem desmente a afirmação de Hitchcock de que atores deveriam ser tratados como gado, mas, estando ele certo ou não em relação a esta declaração polêmica, o fato é que, ao menos neste filme, ele soube extrair o máximo de cada um dos atores. Por ter uma linguagem predominantemente teatral, herança obvia da peça que lhe originou, o longa exige ainda mais dos atores, eles precisam dar credibilidade para seus personagens e ainda demarcar cada uma de suas ações, tendo plena consciência de tempo e de espaço, vez que o foco da narrativa se desloca a todo momento de um lado para outro do apartamento e o ritmo rápido dos diálogos precisa ser mantido para não prejudicar o ritmo da narrativa como um todo; tudo isso fica muito mais difícil com as longas tomadas de quase dez minutos. 

Festim Diabólico é um dos mais formidáveis produtos de uma das mentes mais geniais da história do cinema, ele é uma obra prima produzida numa das fazes mais brilhantes de seu realizador. Trata-se de uma obra indispensável, que justifica a alcunha dada ao seu realizador de mestre do suspense. Ultra recomendado! 


Assistam ao trailer de Festim Diabólico no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.


Confiram também aqui no Sublime Irrealidade as críticas de Intriga Internacional e Um Corpo que Cai, também dirigidos por Alfred Hitchcock, e o artigo Hitchcock à Luz da Teoria da Persuasão!

8 comentários:

  1. Texto perfeito...para uma mente perfeita como a do mestre do cinema.

    Parabéns.
    Amo Festim Diabólico, acho que o primeiro filme que assisti de Hitchock....mas, faz tantos anos que isso nem tenho certeza.

    Só tenho convicção de que é realmente perfeito. Assino embaixo sobre as atuações.

    Abs

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    1. Obrigado Renato, ele se tornou um dos meus favoritos também!

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  2. Assisti um dia desses e sabe que gostei? Hitchcock sempre me surpreendendo. Filme muito bem elaborado. Gostei muito do seu texto. Abraços e Feliz 2013 <3

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    1. Obrigado Iza, fico feliz que tenha gostado!
      Feliz 2013 para você também!

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  3. "Rope" é genial. Um filme que ecoa na mente dos cinéfilos. Pode parecer lento, até difícil de digerir, mas eu não me canso de rever, pelo menos 2 vezes a cada ano.

    Ótimo texto Bruno, embora não concorde quando diz que os argumentos com relação aos trejeitos do personagem de Granger sejam preconceituosos ao afirmarem sua homossexualidade. Aliás, este papel caiu como uma luva para o ator e que diga-se de passagem, sempre teve problemas com papel viril e era gay assumido na vida real. Os personagens são gays mesmo, mas na época, segundo um dos roteiristas, Arthur Laurents (tb homossexual declarado) eles jamais poderiam usar a palavra. Assim sendo, todos se referiam ao fato como "aquilo". Isso sim, é preconceituoso. Mas o que se podia fazer naquela época, não? E o ponto alto da trama é também o fato deles serem namorados e um deles, e eu acredito nisso, teria tido um caso com o professor, um dos papéis mais deslocados para Jimmy Stewart, que de tão "macho" não deu ao filme o timbre sexual que ele merecia.


    Hitchcock se supera aqui com sua técnica e conhecimento apurado da sétima arte. Os cortes aconteciam quando a câmera se aproximava dos atores como num fade out, por exemplo.

    Abração!

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    1. Eu não sabia de todas as circunstâncias que cercavam a realização do filme Rodrigo, seu comentário foi informativo e muito válido.

      Concordo com sua visão, mas o que eu disse que era preconceito, seria julgar a sexualidade dos personagens TÃO SOMENTE pelos motivos que citei no texto.

      Abração!

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  4. EXCELENTE TEXTO José Bruno. E das maiores genialidades do roteiro é a obsessão do protagonista pela perfeição, dizendo-se "superior" naquele diálogo estupendamente bem escrito. E neste contexto, que atuações extraordinárias!
    Abraço.

    http://www.leituradecinema.com.br/2013/01/os-infratores.html

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  5. Boa noite, Bruno. Meu primeiro comentário aqui em seu blog. Assisti recentemente esse ótimo filme. Realmente as atuações de Stewart e John Dall merecem destaque. Os diálogos são ótimos e o fato de ser filmado em um único cenário, não o torna cansativo em momento algum. Mais uma bela obra do mestre do suspense.
    Abraço.

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