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quinta-feira, 4 de abril de 2013

O Homem Que Não Estava Lá

O Homem Que Não Estava Lá (The Man Who Wasn't There) - 2001. Dirigido por Joel Coen. Escrito por Joel Coen e Ethan Coen. Direção de Fotografia de Roger Deakins. Música Original de Carter Burwell. Produzido por Ethan Coen. Good Machine, Gramercy Pictures, Mike Zoss Productions, The KL Line e Working Title Films / USA | UK.


Ed Crane (Billy Bob Thornton) é casado, tem uma boa casa no subúrbio e trabalha junto com o cunhado em uma barbearia, porém ele não gosta de ser chamado de barbeiro, ao contrário do que parece, ele não se sente realizado nesta atividade que exerce com tanto esmero e é por isso que ele se torna uma vitima fácil para Creighton Tolliver (Jon Polito), um empreendedor com pinta de vigarista que comenta sobre um excelente negócio, para o qual estava à procura de um sócio com dinheiro o suficiente para investir na ideia que, supostamente, poderia render rios de dinheiro, uma novidade para a época, a lavagem a seco. Crame, seduzido pela lábia de Tolliver, começa a chantagear Big Dave Brewster (James Gandolfini), patrão e amante de sua esposa, com ameças feitas através de cartas anônimas, ele espera com isso conseguir a quantia necessária para colocar a ideia em prática, dez mil dólares. 

Dispensável dizer que algo no plano do personagem dará errado e que este primeiro erro conduzirá a uma série de outros... Sim, O Homem Que Não Estava Lá (2001) também pode ser classificado como uma comédia de erros, sub-gênero no qual os irmãos Coen são verdadeiros especialistas. Tal como em Fargo (1996), O Grande Lebowski (1998)Onde os Fracos não têm Vez (2007) e em Queime Depois de Ler (2008), uma decisão errada leva á uma série consequências, diante das quais os personagens perdem completamente o controle, ficando á mercê do acaso, que insurge como uma força cruel e sarcástica. Mas, falar de gênero ou sub-gênero em um filme desta dupla pode ser uma grande armadilha, pois dificilmente conseguimos enquadrar um de seus trabalhos em alguma categoria, neste por exemplo, há uma forte influência do film noir e um flerte constante com o suspense, com o drama existencialista e, obviamente, com uma comédia inteligente e sofisticada. 


A sinopse feita no primeiro parágrafo desta resenha representa apenas o mote da trama, que passa ainda por várias reviravoltas, o que não é novidade em se tratando de um roteiro escrito pelos Coen, o interessante é que em determinados pontos a história muda completamente seu rumo, dando a entender que o conflito anterior fora abandonado. Esta sensação é reforçada pelo fato de que a trama se desenvolve em uma espiral descendente que parece por fim arrastar todas as subtramas para um ponto de interseção, no qual elas se encontram e se completam. 


Ed Crane é na minha opinião um dos personagens mais intrigantes da filmografia de Joel e Ethan, apesar dele ser o narrador da história e de nos colocar em contato com sua versão dos fatos, terminamos o filme sabendo muito pouco sobre ele, sequer podemos classificá-lo como um personagem de boa ou má índole. Ele aparentemente não é um mau sujeito, no entanto, sua total inexpressão de culpa diante dos erros que comete e a frieza com que ele lida com alguma situações na trama mostram que ele é incapaz de demonstrar afeto, compaixão ou arrependimento. Quando tento analisá-lo, me deparo com o enorme vazio existencial que seu olhar gélido e sua expressão incapaz de revelar qualquer sentimento denotam e quando associo isto à maneira com que ele nos apresenta à sua própria vida (o trabalho no qual não se realiza, o casamento em crise e a falta de estímulos), fica fácil perceber aquela que talvez seja a principal temática do filme, a falta de sentido da vida. 


A já citada influência que o acaso exerce sobre a vida dos personagens reforça a constatação acima, durante o desenvolvimento do filme é possível perceber que todos possuem algum tipo de culpa, mas, curiosamente, eles pagam por erros que não cometeram e nesta situação há uma subversão da lógica que diz que na vida as boas ações são recompensadas e as más punidas, tal crença seria tão somente um das formas de disfarçar o incômodo provocado pelo vazio, o mesmo vazio que o protagonista experimenta. Em dado momento do filme Crame faz indagações sobre os cabelos que crescem, são cortados e descartados mesmo fazendo parte de nosso corpo, em sua reflexão, que pode ser confundida com um devaneio sem sentido, fica evidente a forma com que ele olha para si mesmo e para as pessoas à sua volta, para ele ninguém não é no fim das contas tão diferente dos cabelos que são aparados sem qualquer cerimônia (assim sendo, o esmero com que Ed exerce sua atividade também seria uma forma de buscar algum sentido onde não há) ... 


Billy Bob Thornton, Jon Polito, James Gandolfini, Frances McDormand (que dá vida a Doris, a esposa infiel de Crame) e Michael Badalucco (que interpreta Frank, o cunhado que o emprega na barbearia), entregam desempenhos marcantes e com um nível de excentricidade condizente com o não convencionalismo da trama, todos estão em grandes momentos, o que mais uma vez comprova o talento que os Coen têm também para escolher um elenco e dirigi-lo. Outro destaque dentre as atuações, que não poderia ser esquecido, é a participação de Scarlett Johansson, que tinha na época apenas 16 anos, ela faz a jovem pianista Birdy, filha de um amigo de Crame, ela consegue dar consistência a um personagem que é muito mais complexo do que aparenta. A forma com que o roteiro relaciona a desesperança de Ed à aparente inocência da moça estaria comprometida se não fosse pelo ótimo trabalho de composição feito pela atriz.


A fotografia em preto e branco e os movimentos de câmera sutis e precisos conferem ao filme um ar clássico, que remete à época na qual ele se passa. A estética sombria (que pode ser notada na direção de arte e nos jogos de luzes e sombras) é uma clara influência do noir, gênero que os irmãos Coen desconstroem com O Homem Que Não Estava Lá, tal influência também pode ser notada em outros elementos do filme, como por exemplo na narração em off, na presença de uma femme fatale, de um protagonista moralmente ambíguo e de um contexto que evoca o fatalismo e a corrupção do gênero humano. O domínio que os cineastas demonstram ter da linguagem torna o filme ainda mais atraente, seu ritmo flui de uma forma predominantemente lenta, porém não massante ou cansativa, o que permite que ele nos prenda à sua trama e nos surpreenda à cada reviravolta. 


O Homem Que Não Estava Lá é uma excelente pedida para os que já curtem o estilo dos Coen. Para aqueles que ainda não estão familiarizados com a marca autoral que torna a filmografia deles única, o filme também é uma ótima opção, afinal ele traz consigo praticamente todos elementos que compõem tal marca, conforme já comentei no decorrer deste texto... Resumindo, é uma obra obrigatória para aqueles que valorizam e/ou buscam o que o cinema indie americano tem de melhor na atualidade! Ultra recomendado! 


Curiosidade: Homem Que Não Estava Lá foi filmado em cores e depois convertido para o formato preto e branco, é possível encontrar a versão original, porém não a recomendo, pois boa parte da aura que o filme tem vem da fotografia que remonta ao formato clássico. 

Homem Que Não Estava Lá foi indicado ao Oscar na categoria de Melhor Fotografia, em Cannes ele concorreu à Palma de Ouro e recebeu o prêmio de Melhor Diretor. 

Confiram também aqui no Sublime Irrealidade as críticas de E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?, Queime Depois de LerBarton Fink - Delírios de HollywoodO Grande Lebowski Bravura Indômita, também realizados pelos irmãos Coen. 

Assista ao trailer de O Homem Que Não Estava Lá no You Tube, clique AQUI !

A revelação das passagens aqui comentadas não compromete a apreciação da obra.

7 comentários:

  1. Bruninho, tudo bem?
    Por incrível que pareça eu não tinha ouvido falar nesse filme, mas na verdade por estar mesmo um tanto por fora de tudo o que diz respeito a cinema, por enquanto...

    Os irmãos Coen são um espetáculo a parte! Uma coisa leva a outra, e tudo leva a lugar nenhum hehe se é que você me entende, mas sempre fui surpreendida por eles, coisa que não é muito comum. Fiquei interessada pelo filme, ainda mais que tem o Billy Bob Thorton, que aprecio muito, o trabalho dele é fantástico, pois ele se veste dos personagens como alguém que não se vestisse :), com uma naturalidade tremenda!

    Agradeço a dica e valeu muito vir aqui.
    Tenho blogado pouco, infelizmente.

    Beijos e ótimo fim de semana!

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  2. Nunca cheguei a ver a versão colorida, aliás, desconhecia esta curiosidade, interessante, mas é claro, não imaginaria o filme de outra forma. Este é o mais experimental dos irmãos Coen, embora eles tenham o costume de procurar a cada novo filme novos desafios. Comédia de erros é com eles mesmo, de longe, os meus favoritos (e não apenas neste sub-gênero) são: Fargo e Onde Os Fracos Não Tem Vez. Também acho que o divertido e subestimado "The Ladykillers" com Tom Hanks, entra neste quesito, perto do clímax, as coisas acabam sucedendo numa sequência azarada impressionante! Morro de rir!

    Provavelmente o melhor desempenho do Billy Bob Thornton e como não amar a Frances? A musa deles!

    Belo texto.

    Abs.

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  3. Para mim, TOP5 dos Coen. Adoro a sensação de Film Noir que permeia a obra e concordo contigo sobre o protagonista ser um dos melhores da filmografia deles. Aqui, também é a melhor atuação de Thornton.

    Abração!

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  4. Bruninho,

    tudo bem?
    Sou fã dos Coen e seus 'adoráveis erros'. Meus prediletos são 'Onde os fracos....' e 'Queime Depois de Ler'.
    Sua resenha ficou perfeita, principalmente o início,rs.
    Billy Bob, está fantástico , o tudo e o nada é algo que me encanta neste filme.

    Meu queridão,
    beijão e como sempre: adoro passear por aqui!

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  5. Olá, parceiro, estou de volta, pronto para trocar comentários e seguir suas postagens. Fico feliz em ver que seu blog continua a todo vapor.
    Cumprimentos cinéfilos!

    O Falcão Maltês

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  6. Olá, José Bruno.
    Gosto muito do estilo pouco comum de fazer filmes dos irmãos Cohen, e ainda não vi este filme.
    Acho que o fator imprevisibilidade aliada ao surrealismo fazem destes autores realmente únicos e inimitáveis.
    Abraço.

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  7. Falam muito em Fargo e Onde os Fracos não tem vez. Esquecem-se de E aí, meu irmão, cadê você e este brilhante O Homem que não estava lá. É de uma primazia fascinante, roteiro brilhante e atuação de Billy Bob Thornton que consegue extrair tudo de seu personagem e o torna vazio, sem vida, morto, mas vivo, muito vivo. Uma obra de arte.

    Abraço!

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